Desenhos foram achados durante construção de hidrelétrica em Rondônia.
Eles já ficavam encobertos pelas águas durante parte do ano.
Há milhares de anos, povos amazônicos criaram um enorme complexo de gravuras rupestres nos arredores do Rio Madeira, na área onde hoje está localizada a capital de Rondônia, Porto Velho. Ao longo de 200 metros, eles esculpiram em blocos de rochas pelo menos duas mil gravuras geométricas e desenhos que lembram animais, como gato, macaco e lagarto.
As gravuras, que podem ter até 8 mil anos, segundo arqueólogos que trabalharam na área, foram encontradas durante pesquisas que antecederam a construção da usina hidrelétrica Santo Antônio. Os pesquisadores esperaram o período de seca para catalogar os desenhos, já que a área ficava submersa durante as cheias do Rio Madeira. Em janeiro deste ano, a área foi alagada permanentemente para dar origem ao reservatório da usina.
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) acompanhou as obras e afirma que não existem irregularidades. “A existência de sítios arqueológicos não inviabiliza a implementação do investimento. Pode inviabilizar, se o sítio for considerado de grande relevância científica, dependendo da força política do Iphan e do apoio de comunidades”, afirma Rogério Dias, coordenador de pesquisa e licenciamento arqueológico do Iphan.
Pedral com figura geométrica em alto relevo, uma das duas mil gravuras encontradas na área do Rio Madeira alagada para construção de reservatório de usina hidrelétrica (Foto: Divulgação / Santo Antônio Energia)
Impacto
De acordo com a Sciencia Consultoria Científica, contratada pela Santo Antônio Energia, concessionária responsável pela construção e operação da usina Santo Antônio para realizar pesquisas arqueológicas na área, não existe um estudo do impacto do alagamento permanente na preservação das gravuras.
“Não há um estudo do impacto nas gravuras quando ficam na água por um bom tempo. Nós não sabemos qual será o impacto. Pode ser que elas ainda estejam lá”, afirmou Renato Kipnis, diretor da Sciencia.
Segundo o Iphan, os blocos de rocha com as gravuras rupestres “não sofreriam processo de destruição, ficariam embaixo de água, preservados como estavam”. “Vamos supor que se resolva esvaziar o lago. As gravuras vão continuar lá embaixo. Também é possível fazer pesquisa subaquática”, afirma Rogério Dias, do Iphan.
"É melhor deixar isso lá que retirá-los. O processo de retirada de lá é muito complicado e às vezes há risco de rachar o bloco, quebrar. É melhor que fique lá. Mas [antes do alagamento] fica registrada a existência [das gravuras]", explica Dias.
Características
Ainda não existe uma cronologia exata das gravuras, mas sabe-se que alguns sítios arqueológicos na área têm cerca de 8 mil anos de ocupação, segundo Kipnis. “A ocupação da área do rio madeira começou por volta de 8 mil anos atrás. Por isso, a área pode ter entre 8 mil anos”, diz.
Para tentar descobrir a idade das gravuras esculpidas, os arqueólogos vão compará-las com cerâmicas pintadas encontradas em outros sítios arqueológicos da região, explica Kipnis. De acordo com a semelhança dos desenhos , será possível estimar a idade. “Como conseguimos datar a cerâmica, talvez por associação possamos ter uma ideia da cronologia dessas gravuras”, diz.
Para esculpir as gravuras nas rochas, os povos amazônicos que viveram na região utilizavam uma técnica chamada “picotamento”, explica a Sciencia. Eles batiam na rocha com alguma pedra ou outro artefato rígido até produzir a forma desejada em baixo relevo. Segundo Kipnis, provavelmente não era usada tinta nas gravuras.
Equipe de arqueologia faz registro em tecido de um dos painéis de sítio arqueológico do Rio Madeira (Foto: Divulgação / Santo Antônio Energia)
Registro em 3D
“A área era pouco conhecida do ponto de vista da arqueologia. O projeto Santo Antônio possibilitou um trabalho sistemático de [estudo de] coleções arqueológicas”, defende Kipnis.
Depois do achado das gravuras, foi iniciado um trabalho sistemático de catalogação das imagens com uso de alta tecnologia, que incluiu um registro digital para reconstituição em modelos 3D. Um dos equipamentos empregados emitia 900 mil feixes de laser por segundo, em 360°, com precisão de 2 milímetros, de acordo com a Santo Antônio Energia. Assim, será possível reconstitui os desenhos em alto relevo.
Também foram feitos registros em 3D da topografia da área e dos pedrais onde estão localizados as gravuras, que são importantes para compreender a espacialidade das gravuras. O objetivo do registro em 3D é criar uma plataforma voltada para comunidade científica onde será possível visualizar a área, agora alagada, e dar zoom para visualizar as gravuras.
“O nível de detalhe é tão grande que será possível reconstituir os pedrais com gravuras”, afirma Kipnis. Além da Scientia, participou da catalogação em 3D a empresa portuguesa Dryas Arqueologia. O trabalho se concentrou em cinco áreas com extensos pedrais, chamadas Ilha Dionísio, Ilha do Japó, CPRM 2, Ilha das Cobras e Teotônio.
“Fizemos um registro que nunca foi feito no Brasil. A contrapartida [da construção da hidrelétrica] é a concentração de recursos para fazer a pesquisa, de alta qualidade”, defende Kipnis. Os gastos da Santo Antônio Energia com estudos arqueológicos na área foram de R$ 12 milhões.
Decalque em tecido de um dos painéis do sítio arqueológico (Foto: Divulgação / Santo Antônio Energia)
Fonte: Globo Natureza, em São Paulo
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